sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Terras de marinha: Belém vai à guerra

O título faz parecer que começou outra Cabanagem, quando em 1834 os belenenses expulsaram as forças portuguesas e as autoridades designadas pelo Império do Brasil, àquela época já como governo da terra brasilis.
Naquele ano, os belenenses lutaram para ter as mesmas prerrogativas dos portugueses que aqui moravam e aqui vinham com missão de dirigir os destinos da Província do Grão-Pará. Agora, os belenenses lutam para livrar-se de impostos e taxas que o governo federal lhes impõe sobre as chamadas 'terras de marinha' e, principalmente, aquelas que se situam na margem do rio Guamá.
Unidas durante o anúncio do Projeto Orla, a Gerência Regional do Patrimônio da União e a Prefeitura de Belém entraram em rota beligerante e o choque parece ser frontal, direto, deveras esmagador e aparentemente sem fim.
Os motivos da perlenga são as terras banhadas por veios de água, definidas como aquelas que se encontram até 33 metros para o seco, para dentro das terras, partindo da linha de água da maré máxima de 1831. Como Belém tem 70% do seu território banhado pelas águas da baía do Guajará e pelo rio Guamá, que sofrem influência das marés, então toda a orla em contato com esses dois caudais está enquadrada como 'terras de marinha'.
Vai daí que um perímetro de mais de 35 quilômetros ao longo dessas margens, desde Icoaraci até a Ceasa, deveriam ser administrados pelo governo federal e todos ali instalados, quer sejam indústrias ou famílias, deveriam pagar o imposto de uso dos terrenos, que a federação teima em denominar taxa.
Ao que tudo indica, a Prefeitura de Belém imaginava que encontraria muitos empecilhos de ordem legal com relação às ocupações da orla do rio Guamá, e logo chamou para o seu lado a Gerência Regional do Patrimônio da União para somar forças ao necessitar desalojar os ocupantes que, porventura, resolvessem obstruir a obra.
Porém, nessa primeira etapa, o projeto não necessita dessa medida truculenta, porquanto a obra passa ao largo, deixando todos os ribeirinhos com a frente para a pista. Mas a ganância arrecadatória da União não parou de crescer nesses últimos dez anos, e várias famílias já estão enfrentando processos de cobrança com a conseqüente perda da posse dos imóveis, por conta de ações na Justiça.
Naquela área, a prefeitura também cobra o IPTU por conta das benfeitorias por ela executadas, tais como pavimentação, drenagem e iluminação, de forma legal e que pouco ou muito reverte para o benefício dos moradores. O mesmo não se pode dizer das taxas cobradas pela União nas terras de marinha, porquanto os valores arrecadados são enviados para os cofres fartos do poder central e de lá não retornam absolutamente nada em benefício daqueles moradores.
Essa bitributação é revoltante e exaure o bolso dos mais pobres ou os deixa em condições de devedores eternos, em estado de escravatura subliminar, morando em situação de perigo permanente, sem que ninguém venha em seu socorro. Quem conhece aquela área sabe das mazelas escorchantes, humilhantes, escrachantes e periclitantes em que se encontram milhares de pessoas, não distinguindo crianças de adultos o inóspito meio ambiente.
Baldados foram os esforços para que a União abdicasse da sua pretensa autorização para a cobrança das taxas. Em todas as tentativas, a GRPU sugere pelo menos a divisão da arrecadação, com o que não concorda a municipalidade, aparentemente com toda a razão.
Apoiada por ação enérgica da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa, a prefeitura interrompe as negociações amistosas para tentar resolver o impasse e parte para uma luta nos tribunais apropriados da Justiça.
O embate se prenuncia longo, por escaramuças, por leva e traz, tantas são as interpretações das leis que regem o assunto. É uma verdadeira guerra para que, ao fim e ao cabo, o vencedor fique com o butim maltrapilho daquela população destroçada por tantos sofrimentos e abandonos a que cada vez mais vêm, o governo e o tempo, malbaratar suas expectativas de vida mais humana. Principalmente da União.

MUito bom este artigo do Nagib Charone Filho